terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Guia Michelin

Já pensou POA ao invés de NY?

Estive debatendo com o Ricardo boas idéias sobre o fato de termos poucos críticos de gastronomia em Porto Alegre. Sempre quis saber como funciona e quais são os quesitos levados em consideração pelo afamado guia Michelin na hora de avaliar um restaurante, sua comida e o trabalho do chef.

Após ler a entrevista do ex-diretor do guia, o francês Jean-Luc Naret, vi que o processo de avaliação é extremamente rígido, ou seja, não adianta ser bom (no caso de 3 estrelas, excepcional) uma vez, tem que manter a regularidade.

Será que teríamos aqui em Porto Alegre alguém com mais de 2 estrelas? Leiam a entrevista que reproduzi da Veja online na coluna da crítica Fernanda Thedim. Respondam a pergunta somente após ler a entrevista de Jean-Luc.

Alguma previsão para a criação de um guia vermelho sobre uma cidade brasileira ou o Brasil?

Foram necessários 105 anos para que a Michelin publicasse seu primeiro Guia nos Estados Unidos, com o lançamento do Michelin Nova York em 2005. Hoje, nós já temos também o Michelin São Francisco, publicado em 2006, e outros dois novos, o Los Angeles e o Las Vegas. Em novembro 2007, nós publicamos nosso primeiro Guia na Ásia, em Tóquio. Ao mesmo tempo, nos continuamos nos desenvolvendo na Europa. Enfim, estamos expandindo, modernizando e atendendo, sempre com o objetivo de satisfazer da melhor forma nossos leitores, expectativas e necessidades. Sem dúvida, continuaremos a nos desenvolver nos próximos anos e a América Latina faz parte dos nossos planos.

Como é o treinamento de um inspetor do guia?

A cada ano, um inspetor faz cerca de 250 refeições anônimas e passa 150 noites em hotéis. São mais de 800 visitas e 1 100 relatórios redigidos. Esses são alguns dos números de um inspetor. Hoje 86 homens e mulheres fazem esse trabalho: 70 na Europa, 10 nos EUA e 6 na Ásia. Eles passam a vida na estrada, nos restaurantes e hotéis para encontrar os melhores endereços. A maioria é formada em hotelaria. Quando contratados, ele passa por uma formação de 6 meses no qual será formado no critério de atribuição de estrelas, categorias de conforto, etc.. Por mais 6 meses, ele participará, em companhia de um inspetor, das visitas a hotéis e restaurantes.

Quais são os principais critérios usados para a atribuição das estrelas?

A qualidade dos produtos, a preparação e o sabor dos pratos - a “personalidade” do chef nos pratos preparados -, o custo-benefício e a consistência e regularidade do cardápio apresentado. Cada um desses critérios é muito importante e levado em conta pelos inspetores durante os testes, ou seja, durante as refeições (almoço e jantar), de maneira totalmente anônima. Tais critérios garantem a homogeneidade da seleção Michelin, no mundo inteiro. Dessa maneira, um restaurante três estrelas de Nova York tem o mesmo nível de qualidade que um restaurante três estrelas em Paris e em Londres, assim como um estabelecimento duas estrelas de Milão apresenta o mesmo nível de qualidade de um restaurante duas estrelas em Barcelona.

É claro que o mesmo nível de qualidade não significa o mesmo tipo de culinária. No Guia Michelin, são selecionados diversos tipos de culinária. Na última edição do Guia Michelin New York City, lançada há duas semanas, são indicados cerca de 50 tipos de culinárias, desde a culinária americana à culinária coreana, passando pela culinária antilhana, japonesa ou francesa.

E como são avaliados outros quesitos importantes como ambiente e serviço?

Não se deve esquecer que as estrelas correspondem ao que é servido no prato, ou seja, elas são dadas apenas pela qualidade da comida servida e nada mais. A classificação da decoração, do ambiente, da qualidade do serviço e dos equipamentos é feita por meio de um a 5 talheres (figura do garfo e da colher cruzados). Um talher significa “bastante confortável” e 5 talheres significa “grande luxo e tradição”. Os estabelecimentos mais agradáveis recebem um talher de cor vermelha.

As estrelas e os talheres são classificações totalmente independentes. Em outras palavras, um restaurante pode receber, simultaneamente, 5 talheres vermelhos (que significam alto nível de conforto aliado a um serviço perfeito) e uma estrela. Da mesma maneira, um estabelecimento pode receber 3 estrelas porque “vale a pena ir até lá” e dois talheres pretos, porque a decoração e o serviço são considerados “bastante confortáveis” ou de “bom nível de conforto”. É o caso do restaurante Fat Duck, na Inglaterra.

Quantas vezes um restaurante é avaliado para que seja tomada a decisão de ganhar ou perder uma estrela?

A decisão de atribuir ou de “retirar” uma ou mais estrelas é tomada pelas equipes durante as “sessões estrelas”, que reúnem, duas vezes por ano, o diretor dos guias Michelin, o diretor do guia do país e os inspetores. Se não houver consenso sobre um restaurante, é realizada uma visita por outro inspetor, para verificar a regularidade da culinária, pois trata-se de um critério de suma importância na atribuição das estrelas. É possível que haja até 12 visitas por 12 inspetores diferentes em diversos momentos do ano para verificar a regularidade da qualidade oferecida, antes de se tomar a decisão de atribuir três estrelas a um restaurante.

O que faz alguns dos melhores restaurantes do mundo perder estrelas?

A decadência desses restaurantes se dá, principalmente, por dois motivos. Primeiro, o fato de os chefs se afastarem da cozinha quando começam a fazer sucesso. Alguns se tornam burocratas, outros viram celebridades – e a comida sempre cai de nível. Um segundo problema são as crises emocionais, tão comuns num ambiente em que os profissionais se sentem sob muita pressão.

Como se explica o fato de Tóquio ter mais restaurantes estrelados do que Paris?

O guia Tóquio 2009 é uma seleção de 173 restaurantes com estrelas, entre eles, 128 com uma estrela, 36 com duas estrelas e 9 com três estrelas, num total de 227 estrelas. É, sem dúvida, um número muito maior de estrelas do que as cidades de Paris, Nova York, ou Londres. A qualidade da gastronomia de Tóquio é excepcional, os produtos utilizados são formidáveis e as técnicas culinárias são extraordinárias. Não se deve tampouco esquecer que Tóquio possui mais de 160.000 restaurantes, ou seja, dez vezes mais do que Paris ou Londres. O guia Michelin Tóquio é o primeiro e único de uma coleção com 26 títulos lançados, que apresenta uma seleção em que todos os restaurantes possuem estrelas. Este guia Michelin Tokyo obteve um imediato sucesso com mais de 120.000 exemplares vendidos em menos de 24 horas e mais de 290.000 exemplares vendidos em 5 semanas!

Como o senhor avalia a atual disputa entre a cozinha francesa e a espanhola?

Não temos a pretensão de indicar quem oferece a melhor culinária ou quem é o melhor chef. O nosso objetivo é o de constatar o que está sendo servido e revelar o talento dos chefs. O guia Michelin revela talentos e oferece aos seus leitores uma seleção de qualidade homogênea, feita anonimamente por inspetores profissionais, que são funcionários da Michelin. Mais de um milhão e duzentos mil exemplares do guia são vendidos no mundo inteiro.

Muita gente diz que este é o grande momento da Espanha, mas discordo. Há, evidentemente, chefs espanhóis de talento, mas o único gênio é Ferran Adrià. Por outro lado, nenhum outro país concentra tantos restaurantes estrelados quanto a França – o que é um indicador objetivo da qualidade da comida. Essa história de que a culinária francesa parou no tempo, como afirma muita gente que se pretende especialista, é conversa de quem não entende do assunto.

2 comentários:

  1. Eu simplesmente adorei seu post, e concordo com os aspectos a serem avaliados no restaurante.
    O que nos remete a pensar sobre o serviço nos restaurantes brasileiros. Será que nossos restaurantes estão conseguindo seguir um padrão em seus serviços?
    e quanto a atualização de seus cardápios, e criatividade a muito deixada pra trás pelos chefs mais antigos?
    Não me surpreende que tanto chefs sem talento, passem a tirar a clientela das casas mais tradicionais...
    Afinal, o público brasileiro busca por novidades, mesmo que essas sejam baseada em uma desconstrução da gastronomia e anunciadas por meia pagina vendida de uma revista famosa.
    E é aí que entra o padrão, ou melhor, a falta de padrão. Onde ele está? Nas cozinheiras que fazem o serviço, mas desconhecem de requinte? Afinal a moda é, o chef passear pelo salão, com sua Bragard limpa, sem se importar com oq é servido, contanto que o glamour seja mantido.

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  2. Oi Bee, mandou bem. O que falta é cultura gastronômica aqui na nossa terrinha. Saber avaliar se a comida foi bem executada e se os ingredientes foram respeitados. Na Europa e Ásia isso já está impregnado no povo, que sabe escolher e conhece o que vai comer e não cai em armadilhas de lugarzinho da moda. O debate é bom e não deveria parar por aqui. Como trabalho também com docência acredito esse movimento venha beneficiar o comensal, que passará a ter profissionais preocupados com esses detalhes tão importantes. Aqui na minha cidade as coisas acontecem lentamente (não sei se vc mora em POA). Temos ainda o fantasma do bastantão, que diz que comida boa é prato cheio e barato. Vejo pouquíssimos empresários e chefs donos de restaurantes pagarem bem sua brigada. E eles querem comida de qualidade pagando mal a pessoa que vai executar suas idéias e vivem reclamando do fatídico turn over. Enfim, a história é longa, mas os meios pra chegar numa gastronomia decente e com preços razoáveis pode ser encurtado se houver boa vontade e interesse do público, de saber separar o joio do trigo e se posicionar e boicotar certos estabelecimentos que de certa maneira enganam os clientes.

    Um abraço

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